O GRITO UNÍSSONO ‘NÃO ACEITO CORRUPÇÃO!’ – Roberto Livianu
Artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo
Leia abaixo a íntegra do artigo
Há um ano causou perplexidade geral a canetada presidencial que concedia indulto Black Friday natalino aos presos, por incluir liquidação de 80% das penas de corruptos – punir criminoso poderoso no Brasil sempre foi tarefa quase tão difícil como fazer elefante passar por buraco de agulha.
O Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a concessão em liminar e agora julga o mérito do caso, cujo desfecho certamente impactará a percepção geral em relação à impunidade, já expressiva, uma vez que o indulto existe para fins humanitários quando há excesso de encarceramento. Em matéria de crimes contra os colarinhos-brancos, temos o oposto, a exiguidade. Além disso, indultar multas pecuniárias, só mesmo se o condenado for muitíssimo pobre.
Em função disso, a partir do ano que vem 14 partidos poderão deixar de existir, eis que deixarão de receber seu repasse do Fundo Partidário, a única verdadeira razão da existência de 35 partidos, hoje, que nas eleições de 2018, conforme anunciou o Movimento Transparência Partidária no 6.º Congresso Nacional do Movimento do Ministério Público Democrático, repassaram recursos a candidatos à reeleição dez vezes mais que a candidatos sem mandato.
Isso ajuda a explicar o quadro de degradação dos partidos no Brasil, que segundo a Latinobarómetro 2018 são confiáveis para apenas 6% dos brasileiros ouvidos (o pior índice entre os 18 países pesquisados). Além disso, 73% dos brasileiros votam sem conexão com o partido do candidato (votam na pessoa), bem acima da média nos países latino-americanos pesquisados (58%), confiando mais na Igreja (73%) e nas Forças Armadas (58%), cada vez menos acreditando na democracia (34%), abaixo da média da região, que é de 48%, com o pior grau de satisfação nela – apenas 9% (no Uruguai é de 47%).
Talvez um dos números mais estarrecedores da pesquisa seja o que aponta que, para os brasileiros, apenas 7% dos detentores do poder o usam para o bem comum, bem ilustrado por fato revelado esta semana: deputados do PP – partido muito implicado na Lava Jato, mas que conservou a terceira maior bancada da Câmara – estariam pressionando o presidente da Casa para pautar o PL 9.054/17, quiçá uma nova versão da pretensão contida no indulto Black Friday de 2017. Pretende o projeto a suavização na execução das penas criminais, até mesmo para os corruptos.
Repito: não cabe suavização para punição de corruptos, mas, sim, agravamento para prevenir. Os deputados, conforme a notícia, condicionam o voto no presidente da Câmara, candidato à reeleição, à decisão dele de pautar o projeto. Enquanto ele prometeu pensar, no seu Rio de Janeiro o governador Pezão foi preso em pleno palácio, igualando-se à condição de seu antecessor e padrinho, Sérgio Cabral, na cadeia desde 2016 e já contando 180 anos de condenações, assim como seu antecessor no cargo de presidente da Câmara, Eduardo Cunha, todos agora na prisão.
Mas o índice de 93% dos que não servem, apenas se servem do poder, é impulsionado por múltiplos fatores, incluída a aprovação na Câmara do PL 6.621/16, mandado agora para o Senado, que desmonta a Lei das Estatais. Pretende-se o retrocesso e a instauração legal da cultura do compadrio, permitindo a escolha por coronéis de partidos de seus cupinchas políticos para dirigir estatais, o que foi proibido pela Lei 13.303/16.
Isso logo após se ter conseguido a vitória de arquivar projeto de senador ficha-suja que pretendia sintomaticamente enfraquecer a Lei da Ficha Limpa. Conseguiu-se também uma vitória importante com a aprovação na Comissão de Desenvolvimento Econômico do PL 10.044/18, que pretende dificultar a vida dos “sócios laranjas” criados em instrumentos particulares, bem como de corruptos e lavadores de dinheiro, revolucionando a sistemática jurídica de criação de empresas, com a formação de um banco de dados, sem custos para a sociedade, que permitirá ao Ministério Público, à magistratura e à Polícia Federal ter informações reunidas sobre os atos de constituição e encerramento de firmas.
Compreende-se, assim, olhando além da árvore, mirando a floresta toda, o teor das declarações do ex-todo-poderoso e hoje condenado a 40 anos de prisão, mas solto por enquanto, José Dirceu, divulgadas durante esta última campanha eleitoral, de que o Judiciário não é Poder e o Ministério Público não deve poder investigar.
O desmonte proposto da tripartição do poder de Montesquieu, pretendendo Executivo e Legislativo sem controle para valer e Ministério Público sem força para a defesa da coletividade, é o sonho dourado dos transgressores da lei, dos componentes da cleptocracia em que se transformou o Brasil.
Nosso caminho é a união da sociedade exigindo o fim do foro privilegiado, a reforma política para valer, a punição efetiva do caixa 2 eleitoral, a asfixia econômica das organizações criminosas, a pena da perda do controle acionário para empresários corruptos, visando à preservação da empresa, o grito uníssono: “Não aceito corrupção!”.
*PROMOTOR DE JUSTIÇA, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ROBERTO LIVIANU É O IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO
Outros Artigos
José Benjamim de Lima
José Benjamim de Lima
Darly Viganó
Roberto Livianu