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Lei de responsabilidade política – Roberto Livianu

Lei de responsabilidade política

Mandatos populares devem ser cumpridos até o fim

 

 

 

 

 

 

 

(Artigo publicado na Folha de São Paulo)

Roberto Livianu
Dentre as grandes transformações universais, a nova ordem iluminista incluiu a tripartição de Montesquieu como um dos principais pilares da construção da república democrática.

Há sete meses de completar 130 anos de República, claudicamos: os avanços têm sido lentos com montanhas altas a escalar pela frente. Há enorme abismo entre políticos e sociedade, materializado pela já decantada crise de representatividade, que, aos poucos, tem levado eleitores a evoluir em matéria de consciência nas escolhas, mesmo que voltadas a pessoas, pois 73% dos votantes brasileiros pouco se importam com o partido do representante escolhido (Latinobarómetro 2018).

Isso se explica também pela miserabilidade do índice de credibilidade dos partidos entre nós: 6%, o pior e mais vergonhoso dos 18 países da América Latina.

Neste cenário cinzento, percebe-se um grau preocupante de desbotamento da democracia representativa ante a adoção da prática naturalizada de comportamentos de menoscabo aos votos e aos compromissos inerentes à assunção de mandatos obtidos pelo voto popular.

O pior é que a Constituição endossa tais atitudes antidemocráticas, oportunistas e amorais ao não interditá-las de forma cabal. Refiro-me a vereadores que, após suas diplomações, praticamente cospem nos mandatos obtidos, assumindo cargos no Executivo, afastando-se dos mandatos legislativos, como se isso fosse razoável, como se inexistisse qualquer dever ético de cumprir os quatro anos do mandato outorgado pelo povo, como se se tratasse de um produto de prateleira.

Ou seja, o surgimento de oportunidade política mais conveniente para ocupar um cargo que ofereça mais poder basta para que seja enterrada a utópica expectativa social em relação ao cumprimento do mandato, com a decorrente ascensão de um suplente menos legitimado —menos votado.

Esta lógica se vê presente também a níveis estadual e federal. E não é diferente no âmbito do Executivo, onde prefeitos frequentemente renunciam a seus mandatos, às vezes até logo no princípio, lançando candidatura a deputado federal, senador ou governador.

Nesta semana, chegamos ao cume. Um governador com menos de três meses de mandato anunciou sua candidatura à Presidência da República para eleições que ocorrerão em 2022. Trata-se de Wilson Witzel (PSC), no Rio, estado literalmente falido, depauperado pela corrupção atribuída aos quatro governadores que o antecederam. Um Rio imerso num lodo de descalabro financeiro e de insegurança pública.

Cidadãos têm o direito de aspirar pela ascensão política, desde que tenham a consciência de que não valem ali as referências do mundo corporativo privado e desde que respeitem os limites impostos pela moralidade e impessoalidade. O trampolim é objeto próprio para esportes de piscina, sendo inadmissível o uso de cargos eletivos para alavancar projetos pessoais de poder.

Mandatos populares devem ser cumpridos até o fim, com quarentena em caso de renúncia e vedação ao afastamento. É hora de emendarmos a Constituição e de aprovarmos a lei de responsabilidade política que impeça práticas egoístas, não sintonizadas ao bem comum e ao interesse público.

Roberto Livianu
Promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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