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PEC 5/21 é tema de artigo de Hugo Nigro Mazzilli

Texto aponta prejuízos que a PEC pode trazer à democracia

Não à PEC 5/21

 

Se acompanharmos a trajetória do Ministério Público de 1988 para cá, veremos que ganhou muitos poderes na Constituição; dela saiu fortalecido. Entretanto, passou a incomodar pessoas, autoridades e empresários antes inalcançáveis em nosso país, o que tem causado reações poderosas.

Primeiro, foram as tentativas de amordaçar a instituição. Depois, a Medida Provisória 2.088-35/2000, que tentou impingir a absurda possibilidade de os réus, processados por improbidade, poderem reconvir contra o membro do Ministério Público que os processou, embora este sequer fosse parte na ação…  A intenção era intimidar quem ousasse propor uma ação civil pública de improbidade contra nossas impolutas autoridades… A seguir, houve várias tentativas para impedir o Ministério Público de fazer investigações criminais, como a Proposta de Emenda Constitucional n. 37 de 2011 (PEC 37). Em 2013, ela estava pronta para ser votada no Congresso e, não fosse o povo ter-se colocado contra ela saindo às ruas, inconformado com uma série de problemas que afligiam nosso país, os congressistas sem dúvida teriam aprovado a proposta; pressionados pela opinião pública, acabaram voltando atrás e recusaram-na com larga margem de votação…

Ainda há diversas matérias que, por força de alteração introduzida por outra medida provisória de 2001 ainda em vigor, não podem ser objeto de defesa coletiva — como questões tributárias, previdenciárias, fundos sociais (Lei n. 7.347/85, art. 1º, parágrafo único). E o pior é que os tribunais aceitam isso placidamente, como se a proibição de acesso coletivo à Justiça fosse constitucional…

Nos últimos dias, o Congresso aprovou um projeto de lei que diminui a punição dos administradores ímprobos, considerando que só ato doloso e não culposo pode ser punido. Ora, que um cidadão comum seja negligente com seu próprio patrimônio, isso é problema só dele; mas que um administrador seja negligente com o patrimônio da coletividade, esse grau de culpa é elevadíssimo e merece sanção.

Deve ser votada nos próximos dias no Congresso a PEC 5/21, que pretende alterar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, aumentando ainda mais o pendor político do colegiado. Se fosse só isso, já seria um escândalo. Mas é pior. A PEC ainda pretende dar ao CNMP poder para rever e desconstituir atos da atividade-fim dos membros do Ministério Público, sob o pretexto de violação de dever funcional dos membros ou utilização do cargo com o objetivo de se interferir na ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais.

Ora, os atos dos membros do Ministério Público merecem controle sim, como todos os atos de quaisquer autoridades. Mas quem deve controlar esses atos da atividade-fim do Ministério Público deve ser a parte contrária, pelos seus advogados, com a decisão soberana do Poder Judiciário. E não o CNMP, pois este órgão colegiado é de composição política, e, a prevalecer o texto da PEC 5, poderá, doravante, alterar denúncias até já dadas e recebidas, o que significa livrar acusados do processo ou incluir novos réus, poderá desistir de recursos já interpostos, poderá recusar ou alterar atos de todos os promotores de Justiça do País, sob a avaliação discricionária do próprio CNMP, de que teria sido violado algum dever funcional…

Em suma, nesse quadro todo que, para usar um eufemismo, eu chamarei de preocupante, é mais do que hora de o Ministério Público mostrar à população, claramente, seus resultados, o que ajudará o povo a posicionar-se, pois é ele o destinatário dos serviços do Ministério Público.

A população deve lembrar-se de que o trabalho que o Ministério Público faz a seu favor depende de sua independência, coragem e dedicação. Suas ações em defesa do meio ambiente, do consumidor, das pessoas discriminadas, no combate ao crime, na defesa da democracia — tudo isso é seu trabalho diuturno, que a população bem conhece.

A opinião pública precisa dar-se conta de que o amesquinhamento das garantias do Ministério Público será em prejuízo do trabalho que é feito em benefício da população.

 

Hugo Nigro Mazzilli

Procurador de Justiça aposentado

 

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