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Paulo Reali Nunes: a carreira mais longeva dentro do MPSP

_Procurador de HC ingressou no começo dos anos 70 e teve trajetória de 5 décadas

“ZYR 215”  – Esse era o  inesquecível  prefixo da antiga  Rádio Progresso de São Carlos, aquela que  capturou o coração  do  jovem Paulo Reali Nunes,   desde a mais tenra infância,  quando  nutria o sonho de ser jornalista.  

Foi  paixão juvenil  arrebatadora.  À frente dos microfones com apenas 16 anos de idade! Na efervescência dos anos 1960  o rádio era a “coqueluche”,  e as ondas radiofônicas promoviam embates entre os pioneiros são-carlenses: Gisto Rossi e o “capitão” Leôncio  Zambel.

Quis o destino que o filho de advogado também fosse buscar os trilhos do  direito  para ajudar o pai no escritório.  E assim, ingressou na Faculdade  do Largo de São  Francisco  em 1967 – turma 140 das Arcadas,  para colar grau em dezembro de 1971.  Mas Paulo Reali não queria nada com advocacia e conta que foi parar no Ministério Público quase que por acaso. Tinha juízes e delegados na família, mas  mirou nos concursos abertos  no ano  seguinte  e  em 12 de janeiro de 1973 lá estava ele ingressando no MPSP.  Aprovado, sem nunca ter visto um processo criminal, confidencia.

Quase 50 anos se passaram, numa das carreiras mais longevas dentro da instituição, que teve o ponto final da aposentadoria no  dia 15 de junho.

MP muito diferente dos dias de hoje

Quando Paulo Reali Nunes tomou posse,  o Ministério Público era muito diferente, “absolutamente desaparelhado, dependente do Judiciário até para o uso de máquina de escrever…”, relembra.

No começo o Ministério Público era o front criminal, uma ou outra coisa cível,  da infância e  até trabalhista. A semente da transformação foi em 1974, quando entrou em vigor um novo Código de Processo Civil, que trouxe para o MP as causas de interesse social.  Nos anos 80,  veio a Ação Civil Pública. E a Constituição  Federal de 1988  que  trouxe  avanços definitivos, disse Paulo Reali em entrevista ao MPSP+.

No começo, substituto trabalhando na Comarca de Rio Claro,  não havia curso de adaptação, mas  Paulo Reali se lembra com carinho de um verdadeiro “tutor”: o Promotor  Alcyr Menna Barreto de Araújo (pai), que lhe  ensinou do “beabá” até a postura profissional. 

Depois, em primeira entrância, titular em Presidente Bernardes (seis meses) e Santa Rosa de Viterbo (outros seis meses); convocado em Pirassununga (um ano); auxiliar (segunda entrância) por quatro anos e titular (terceira entrância) por outros cinco na risonha e franca  Araraquara. Lá veio a “Pós-graduação em MP”  com o Promotor   Ítalo Antonio Fucci, que  mostrou que a formação humanística era tão importante quanto o conhecimento jurídico.  Ele conta que na comarca fez muitos amigos: Eiriri Vasconcellos, os inesquecíveis Flavinho Nunes e Nenê Melluso, Tim e Clóvis Gentil, Cosenzo, Ferry, Beltrame, Fabiano, Paulo Cachimbo, Sérgião Rezende e tantos outros. Foram 15 anos no interior. Tempo que foi tomando gosto pelo atendimento ao público, o contato com a realidade.

Na Capital,  vindo  pelo PGJ Cláudio Ferraz  de Alvarenga, ele  resume assim  a carreira: um ano na saudosa Equipe de Delitos Diversos, dez anos, em Mandados de Segurança; quase dois, como convocado, na Procuradoria Cível; e vinte um na Procuradoria de Habeas Corpus. Dezesseis Procuradores-Gerais de Justiça, de Oscar Xavier de Freitas a Mário Sarrubbo. 

Paulo Reali também viu nascer a Escola Superior do Ministério Público, sendo eleito  secretário do primeiro Conselho.  Na Capital,  no final dos 80, trabalhou muito com direito público,  mandado de segurança. “Adaptei, gostei e nunca quis sair”, confidencia o Procurador de habeas corpus.

Para os mais jovens na carreira, Reali aconselha “fundamentalmente dedicação” para um bom desempenho no cargo. Ele também destaca a utilização da tecnologia. “Sinto-me até hoje realizado quando descubro uma ferramenta nova de trabalho”, revela, recordando que nos anos 70 era preciso esperar seis meses por uma Folha de Antecedentes.

Sai o redator de peças processuais, entra o escritor

Sempre acalentado, o antigo sonho de ser jornalista ou um cronista das pequenas memórias diárias já tinha despontado tempos atrás com a publicação do livro “O pato fui eu”, de 2003,  com prefácio do então presidente do antigo  Tribunal de Alçada e hoje Presidente da Academia Paulista de Letras, José Renato Nalini, amigo de 50 anos. Na oportunidade, descreveu o amigo Paulinho como um são-carlense, que viveu a infância no interior e  “que pode morar a vida toda em capitais ou em qualquer país do mundo, mas guardará  o sabor das  coisas inocentes e gostosas que residiram na fantasia e saberá reconhecê-las”.

O  livro ajudou  a escavar as recordações mais longínquas, como aquele 4 a zero imposto pela Ferroviária de Araraquara em cima do Santos de Pelé, com gols de  Antoninho, Dalmo (contra), Baiano e Faustino. Era 4 de setembro de 1960. Para um corintiano, o  jogo em si nada valia. Talvez o prazer de ver Pelé em campo. Mas a volta de jipe para São Carlos teve um aceno para um grupo de intelectuais , de passagem  pela  Morada do Sol: ninguém menos que Sartre, Simone Beauvoir, FHC, Bento Prado, Jorge Amado, Zé Celso Martinez,  uma plêiade de pensadores.   Um breve aceno – Pelé, Sartre e… Reali,  no mesmo domingo. Valeu uma crônica 40 anos depois. 

Em 2008  foi a vez da obra  “Caryl Chessman e os seios da prima”, coletânea de contos com personagens comuns e tramas do cotidiano. E logo depois “Café, indústria e conhecimento: São Carlos uma história de 150 anos”, que assina ao lado de Oswaldo Truzzi e Ricardo Tilkian.

Doce aposentadoria 

Agora no primeiro mês da aposentadoria, Paulo Reali  diz  textualmente: Da parte dele, o Ministério Público me propiciou espaço para crescimento pessoal e intelectual, ocupando cargo público que, ao longo do tempo, evoluiu notavelmente em importância, sobretudo a partir da Lei de Ação Civil Pública, logo seguida pela Constituição de 1988. Deu-me também meios e segurança para criar os filhos.

“Filho da classe média, sem herança, foram os vencimentos pagos pelo Ministério Público que me permitiram construir patrimônio que, modesto que seja, será bastante para acudir o final da vida”. E conclui: “Foi uma boa convivência. Acho que nos demos bem, eu e o Ministério Público”.

A Diretoria da Associação Paulista do Ministério Público (APMP) parabeniza e agradece ao Doutor Paulo Reali Nunes por sua dedicação ao MPSP e por sua  brilhante  trajetória como Promotor e Procurador  de Justiça.