Presidente de Associação do MP Português defende colegas brasileiros em artigo
No texto intitulado “O Império Contra Ataca”, Antônio Ventinhas ressalta a Operação Lava Jato e classifica as ações dos parlamentares, como a nova Lei de abuso de Autoridade como forma punição a quem luta contra a corrupção
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e procurador da República de Portugal, Antônio Ventinhas, publicou no último dia 7/12 artigo na imprensa portuguesa em defesa das prerrogativas e do posicionamento tomado pelo Ministério Público brasileiro. No texto intitulado “O Império Contra Ataca”, ressalta que cada vez mais os procuradores de todo o mundo têm de estreitar relações e apoiar-se mutuamente, uma vez que a criminalidade é cada vez mais transnacional, principalmente no caso da corrupção e foca suas considerações no Operação Lava Jato e no esforço do MP de todo o país em investigar acabar com a corrupção e a lavagem de dinheiro.
“Enquanto em Portugal parece existir um consenso nacional no combate à corrupção, esta matéria suscita muitas questões no Brasil, onde uma parte muito significativa dos políticos é arguida ou se encontra a ser investigada por crimes de natureza económico-financeira.O Ministério Público brasileiro encontra-se a travar uma difícil batalha pela defesa de princípios basilares do Estado de Direito nos processos judiciais e fora deles”, diz trecho do texto.
O procurador da República ainda discorre sobre o recente projeto de Lei para nova regulamentação do Abuso de Autoridade, que criminaliza as atividades dos membros do Ministério Público como forma de coação. “Para além de muitas das medidas não serem aprovadas, foram efectuadas contrapropostas pelo Congresso com o fim de sancionar criminalmente os magistrados por abuso de poder. Parece ser já um clássico que se vise punir quem quer lutar contra a erradicação da corrupção “ , diz o presidente da SMMP e acaba seu texto com frase de apoio aos colegas brasileiros: “A coragem dos procuradores brasileiros no combate contra uma corrupção de carácter sistémico tem de ser enaltecida, pelo que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público assumirá sempre a defesa daqueles perante os ataques que lhes forem dirigidos”.
Leia o Texto na íntegra:
O Império contra-ataca
No dia 9 de Dezembro comemora-se o Dia Internacional contra a corrupção, na sequência da assinatura da convenção da Organização das Nações Unidas contra a corrupção que ocorreu no México no ano de 2003.
Durante esta semana assinala-se a data com a realização de várias iniciativas.
Logo na segunda-feira, nas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian, a Procuradoria-Geral da República realizou uma conferência internacional subordinada ao tema.
Nesse evento foi apresentado o projecto Ethos que pretende ministrar uma formação específica a 60 magistrados do Ministério Público, de modo a capacitá-los melhor na investigação da criminalidade económico-financeira.
É reconhecido de forma unânime que somente magistrados especializados e com conhecimentos de certas valências poderão estar aptos a investigar o tipo de criminalidade mencionada.
Conhecimentos na área da contabilidade e funcionamento das instituições de crédito ou financeiras são cada vez mais importantes para perceber um mundo bem diferente e mais complexo que o da criminalidade tradicional.
O projecto Ethos visa aprofundar o conhecimento dos magistrados em áreas específicas, mas introduz igualmente uma abordagem inovadora que importa saudar.
O mesmo tem uma componente de estudo e simulação de casos concretos, seus sucessos e insucessos.
Só através da troca de experiências, da partilha do que correu bem e do que correu mal, é que é possível operar uma evolução qualitativa.
É essencial valorizar-se o saber fazer.
Uma boa experiência numa investigação poderá ser replicada noutros processos no futuro.
A aposta na especialização e formação de quadros de magistrados que tenham estabilidade, garantias e apoio para o combate à corrupção é essencial para se ganhar esta batalha.
No que a esta matéria diz respeito, não poderia deixar de mencionar o trabalho desenvolvido pelo Dr. Amadeu Guerra, Director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, departamento onde se encontram a ser investigados os casos mais importantes e mediáticos que envolvem a criminalidade económico-financeira em Portugal.
Muitas das vezes os holofotes tendem a centrar-se num processo ou dois e julgar toda a actividade do Ministério Público na análise de uma realidade parcial.
Nos últimos anos, o DCIAP encetou contactos e parcerias com várias entidades.
Para além disso, alguns magistrados especialistas na área (que não se encontram colocados no DCIAP em Lisboa, mas noutras regiões do país), começaram a colaborar em processos pontuais.
O aproveitamento e optimização de recursos humanos a nível nacional permitirá obter um trabalho de maior qualidade no futuro.
Enquanto em Portugal parece existir um consenso nacional no combate à corrupção, esta matéria suscita muitas questões no Brasil, onde uma parte muito significativa dos políticos é arguida ou se encontra a ser investigada por crimes de natureza económico-financeira.
O Ministério Público brasileiro encontra-se a travar uma difícil batalha pela defesa de princípios basilares do Estado de Direito nos processos judiciais e fora deles.
Em momento recente, os nossos colegas brasileiros propuseram 10 medidas para aumentar a eficácia no combate à corrupção, apoiadas por uma petição com a assinatura de dois milhões de brasileiros.
Para além de muitas das medidas não serem aprovadas, foram efectuadas contrapropostas pelo Congresso com o fim de sancionar criminalmente os magistrados por abuso de poder.
Parece ser já um clássico que se vise punir quem quer lutar contra a erradicação da corrupção…
Os procuradores da Operação Lava Jacto já ameaçaram demitir-se, face ao ataque directo de que estão a ser alvo, uma vez que algumas das novas medidas propostas se destinam a condicionar a sua acção.
Como forma de repúdio pela decisão do Congresso Brasileiro, o povo brasileiro manifestou-se expressivamente em diversas cidades.
Os procuradores portugueses têm acompanhado atentamente esta situação e, caso a mesma se concretize, entendem que tal é uma vergonha para o Brasil e para a sua credibilidade na cena internacional.
Tal como aconteceu anteriormente noutros países, quando os resultados contra a corrupção atingem indivíduos em determinados patamares, começam a arquitectar-se formas de neutralizar a acção do Ministério Público e de atacar os seus membros.
Não é por acaso que no Brasil se começa a falar em alterar alguns aspectos do estatuto sócio-profissional dos procuradores, como forma de ameaça e condicionamento.
A corrupção é um fenómeno transnacional que não pode ser combatido isoladamente.
A coragem dos procuradores brasileiros no combate contra uma corrupção de carácter sistémico tem de ser enaltecida, pelo que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público assumirá sempre a defesa daqueles perante os ataques que lhes forem dirigidos.
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António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público